Um rosto que não basta

Ilhéus chora três mulheres assassinadas. Um suspeito confessou, mas a pergunta ecoa: prisões e penas resolvem a violência contra mulheres? Enquanto corpos são dilacerados, seguimos sem políticas que deem autonomia, paridade e respeito. Justiça não é só punir — é romper estruturas que mantêm o feminino no lugar da vulnerabilidade.

LISDEILI NOBRE

8/26/20252 min read

A semana em Ilhéus foi atravessada pela revelação de um nome e de um rosto: Thierry Lima da Silva, andarilho, usuário de drogas, suspeito de roubos, furtos e tráfico, que confessou o triplo homicídio de Maria Helena, Mariana e Alexsandra. À população, ansiosa por respostas, a imagem do suspeito parecia trazer alívio — mas não basta.

Segundo o interrogatório, Thierry disse que, sob efeito de drogas, tentou cometer um roubo, arrastou uma das vítimas pelo braço e, surpreendido pelas outras duas mulheres, reagiu com violência brutal. Roubou R$ 30, queimou a bermuda suja de sangue e amarrou o cachorro das vítimas a um coqueiro. Confissões, contradições e um fio de verdade ainda em apuração. A Polícia Civil não descarta o envolvimento de outros.

Mas aqui mora o incômodo: a exibição de um rosto não responde à pergunta essencial — quem e por quê?. Não resolve as lacunas do sistema de investigação. Não restaura a sensação de segurança que escorreu pelas ruas da cidade.

O rosto de um suspeito é apenas a superfície de uma tragédia mais funda, que não se resolve com prisões ou aumento de penas. A violência contra mulheres é atravessada por relações de poder desiguais, por políticas habitacionais falhas, por ausência de serviços integrados de saúde mental, assistência social e segurança pública que dialoguem entre si.

A cada crime bárbaro, ecoa o clamor por punição exemplar. Mas será que quarenta anos de prisão, sozinhos, protegem os corpos femininos? A história mostra que não. O cárcere retira o agressor de circulação, mas não dissolve a estrutura que perpetua o feminino como lugar de vulnerabilidade, de silêncio e de dor.

Enquanto seguimos discutindo a barbárie em números e manchetes, permanecem invisíveis as camadas subterrâneas — o gênero como prisão social, o patriarcado que exige mulheres como provedoras, cuidadoras eternas, sacrificáveis.

A Justiça precisa mais do que rostos expostos em telas e nomes estampados em manchetes. Precisa enfrentar o invisível, romper as raízes da desigualdade e construir, de fato, políticas que deem às mulheres autonomia, paridade e respeito.

Porque, ao fim, o que Ilhéus chora não é apenas um crime hediondo, mas o peso de uma sociedade que insiste em não se olhar no espelho.