De Castelo Branco a Bolsonaro: a Velha Retórica do Golpe

“O julgamento de Bolsonaro no STF expõe como a história do golpe de 1964 ainda ecoa no Brasil: autoritarismos tentam se disfarçar de ‘revolução’ ou de ‘defesa da liberdade’, mas golpe é golpe — e a democracia é inegociável.”

Lisdeili Nobre

9/9/20252 min read

Coluna de Opinião | A História em Julgamento

Há quase seis décadas, o Brasil amanhecia sob tanques e baionetas. O golpe de 1964, travestido de “revolução redentora”, abriu as portas de uma ditadura que mutilou liberdades, calou vozes e esvaziou instituições. Castelo Branco insistia em dizer que não era golpe, mas “revolução”. Gilberto Freyre chegou a chamá-la de “branca”, como se o verniz sem sangue lavasse o autoritarismo que se instalava. Ernesto Geisel, mais pragmático, reconheceria depois: não havia ideal algum, apenas um movimento contra Goulart — e a favor da ordem conservadora.

Hoje, no Supremo Tribunal Federal, outro julgamento começa a ser escrito com o peso da História. Não de 1964, mas da tentativa de repetição farsesca que vivemos em 2023, quando Jair Bolsonaro e seus generais de estimação articularam uma trama golpista para perpetuar-se no poder. O roteiro, já sabemos, foi inspirado no manual autoritário: desmoralizar instituições, atacar o processo eleitoral, convocar as Forças Armadas como árbitro da democracia.

O relator Alexandre de Moraes foi cirúrgico: não há “querido diário” quando se conspiram planos de ruptura. O que havia era organização criminosa, uso indevido da máquina pública e a clara intenção de subverter a vontade popular. Flávio Dino, em seguida, acompanhou a condenação, com ressalvas pontuais, mas sem aliviar o peso do que estava em jogo: quase voltamos a viver uma ditadura.

Os crimes imputados — organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, deterioração de patrimônio tombado — não são apenas números no Código Penal. São a lembrança viva de que a democracia brasileira, fruto de uma longa e sangrenta história de lutas, permanece sob ameaça.

Quando o STF se debruça sobre o destino de Bolsonaro e seus aliados, não está apenas julgando indivíduos. Está julgando a linha tênue entre memória e esquecimento, entre resistência e complacência. A história do Brasil mostra que, quando se abre espaço para relativizações, o autoritarismo avança.

Em 1964, chamaram golpe de revolução. Em 2023, tentaram chamar conspiração de “defesa da liberdade”. Que agora, em 2025, possamos nomear as coisas como são: golpe é golpe. E democracia, ainda que frágil, é inegociável.