Blindados contra o povo

“A PEC da Blindagem não protege a democracia, mas os próprios parlamentares, transformando a lei em escudo da impunidade e a política em escárnio público.”

Lisdeili Nobre

9/18/20252 min read

No país dos condenados por golpe de Estado, onde a toga pesou como nunca e a democracia respirou aliviada, a Câmara dos Deputados resolveu brincar de alquimista: destilou uma poção chamada PEC da Blindagem. Um elixir de autoproteção, desses que não se encontram em farmácia, mas que fazem milagre: transformam crimes em mal-entendidos, inquéritos em lembranças e prisão em mera inconveniência.

De repente, o Parlamento corre mais rápido que notícia ruim: legisla a toque de caixa, com a pressa de quem não defende a pátria, mas a própria pele. E a desculpa é sempre a mesma: proteger-se do abuso de poder do Supremo. Como se o bicho-papão vestisse toga, e não terno e gravata, sentado em gabinetes de ar refrigerado, onde se decide, em segredo, o destino do orçamento secreto — esse sim, um monstro que devora verbas públicas e vomita corrupção em cada esquina do Brasil.

Enquanto isso, o Ministério Público fareja o rastro deixado por emendas de Alencar Santana e Capitão Augusto. Dinheiro que sai de Brasília como quem pega carona num Pix e some no meio do caminho. A pergunta que ecoa é simples: chegou ao município ou evaporou em negociações noturnas?

Mas a PEC não é só blindagem, é escárnio.

  • Quer investigar um deputado? Peça licença primeiro.

  • Quer processar um senador? Só com benção da Casa.

  • Flagrante em crime inafiançável? Pois bem, leve a papelada ao plenário e, quem sabe, em votação secreta, os pares dirão se a algema aperta ou se a chave é jogada fora.

E como não bastasse, a inelegibilidade vira piada: só vale depois da segunda instância. Até lá, a ficha corre limpa como roupa recém-passada, mesmo que a alma esteja manchada.

Enquanto Josimar Maranhãozinho, Pastor Gildenemyr e Bosco Costa viram réus por vender emendas como quem vende bilhetes de loteria, a Casa do Povo inventa um novo escudo, tão transparente quanto um muro de concreto.

Drummond escreveria: no meio do caminho tinha uma pedra.
Nós, mais contemporâneos, diremos: no meio do caminho tinha uma blindagem.
E cada pedra hoje é uma P
EC que, em vez de pavimentar o futuro, cimenta a impunidade.