Bebês Reborn e o Cuidado Adiado: quando os brinquedos dizem mais sobre nós do que imaginamos

Na internet, vídeos de adultos dando mamadeira, levando ao médico e até simulando partos com bonecas realistas viraram febre. À primeira vista, pode parecer apenas mais um modismo virtual, mas por trás da aparência de pele macia e olhos de vidro dos bebês reborn, há uma pergunta que incomoda: o que faz uma pessoa adulta investir mais de R$ 3 mil em um brinquedo?

BEBÊS REBORN

Por Lisdeili Nobre Redação Afirmativa | Análise Comportamental

5/22/20252 min read

Bebês Reborn e o Cuidado Adiado: quando os brinquedos dizem mais sobre nós do que imaginamos

Por Redação Afirmativa | Análise Comportamental

Na internet, vídeos de adultos dando mamadeira, levando ao médico e até simulando partos com bonecas realistas viraram febre. À primeira vista, pode parecer apenas mais um modismo virtual, mas por trás da aparência de pele macia e olhos de vidro dos bebês reborn, há uma pergunta que incomoda: o que faz uma pessoa adulta investir mais de R$ 3 mil em um brinquedo?

Segundo a psicóloga Desirée Cassado, o fenômeno não pode ser tratado com superficialidade. A especialista aponta que, para muitas pessoas, o contato com bonecas hiper-realistas funciona como um recurso terapêutico, que ressignifica vivências e abre espaço para o afeto, o luto, a solidão ou mesmo o desejo de cuidado que não encontrou lugar na vida real.

“Por que a brincadeira feminina incomoda tanto? Ninguém julga um homem adulto que joga videogame ou coleciona miniaturas de super-heróis. Mas quando uma mulher cuida de uma boneca, logo se questiona sua sanidade”, destaca a psicóloga.

Brinquedos, terapia e gênero: a potência silenciosa do simbólico

Em uma sociedade que ensina o autocontrole, o desempenho e o individualismo, ter um objeto que demanda cuidado e delicadeza pode soar como resistência. Ao contrário da lógica produtivista, as bonecas reborn exigem presença, tempo e afeto — valores em extinção no cotidiano apressado. E isso explica, em parte, o fascínio por essas representações do “cuidar”.

Além disso, a função simbólica dos brinquedos na vida adulta tem sido cada vez mais reconhecida por estudiosos do comportamento. Colecionar, simular, brincar — são formas de reelaborar traumas, expressar carências e construir vínculos imaginários que, muitas vezes, faltaram na realidade.

Em casos de perdas gestacionais, infertilidade, luto ou abandono afetivo, por exemplo, a presença silenciosa de uma boneca reborn pode representar o elo entre o que foi interrompido e o que ainda precisa ser vivido, nem que seja simbolicamente.

Saúde mental e não julgamento: o papel dos profissionais

Para a psicóloga, a função da sociedade não é julgar o comportamento em si, mas compreender o que ele comunica.

“Só há motivo para intervenção clínica quando esse comportamento gera sofrimento ou impede a autonomia social. Fora isso, talvez seja apenas uma maneira legítima e sensível de lidar com o mundo”, conclui Desirée.

Essa lógica se aplica também à infância: brincar com bonecas — sejam realistas ou improvisadas com pano e um olho faltando — é um ensaio para a vida emocional. Ali, no silêncio da brincadeira, as crianças praticam empatia, experimentam vínculos e aprendem a cuidar e serem cuidadas.

Quando o afeto vira política pública

Mais do que uma curiosidade comportamental, o fenômeno dos bebês reborn convida à reflexão sobre os espaços de cuidado e saúde mental na vida adulta, especialmente das mulheres. Em um Brasil onde muitas mães não têm rede de apoio, onde falar de saúde mental ainda é tabu, brincar pode ser a primeira forma de se cuidar — ou de pedir socorro.

Neste sentido, políticas públicas sensíveis ao sofrimento psíquico, especialmente nas áreas de assistência social e saúde da mulher, precisam ir além do diagnóstico e entender os sinais sutis de dor e esperança que surgem em formas inesperadas — como bonecas que choram, respiram e, mesmo sem vida, fazem viver.