A coragem policial é real. A vergonha estatal também.
Quando a prevenção falha, a democracia vira trincheira.
Lisdeili Nobre
11/1/20253 min read


Atualizaram os números como se atualizassem uma lista de nomes em repartição: 121 — diz o jornal, a luz fria dos números.
O Brasil assistiu ao noticiário como quem olha de longe. Depois, alguém passa a mão na cabeça e logo começam os debates.
Houve exagero?
Sim, teve! Exagero de coragem dos quatro policiais que foram e dos demais pública que enfrentaram esta operação.
Não há dúvida: foram heróis da batalha, homens e mulheres que aceitaram entrar onde o medo já tinha residência fixa.
O resto do debate foi sobre a arena de leões que o Estado criou — por ausências, por abandono e corrupção.
Aliás, o Estado já não existe mais no Complexo do Alemão e na Penha.
Existe um Estado paralelo, fortemente armado.
A megaoperação é filha de uma omissão longa.
O Estado que faltou nas creches, nas praças, nas escolas e na habitação agora aparece com blindados e artilharia para retomar ao chão onde cresceu um poder paralelo, armado de fuzis e drones com bombas.
Chega a ser difícil discutir um Direito Penal mínimo hoje, diante do tamanho do dragão faccionado que o próprio Estado criou.
Mas o Estado que se ausenta é o mesmo Estado que seleciona e mata.
Diz o discurso oficial: a democracia não pode ser para quem porta fuzil e cerceia o direito de comprar água ou internet.
Discurso que a sociedade não discorda — e clama por ordem.
Mas é preciso dizer claramente: esse inimigo foi, em grande parte, engendrado pela própria negligência pública.
Quem planta abandono colhe facção fortemente armada.
Não resta dúvida de que, diante de fuzis, drones com cargas e arsenais que transformaram becos em trincheiras, os agentes do Estado precisam de táticas de guerra — e foram obrigados a isso.
Exaltar a valentia policial é justo: houve sangue, coragem e decisão.
Exaltar a operação é entender que, pela primeira vez em muito tempo, um punho do Estado chegou mais forte do que o abandono.
Que se diga: a ousadia foi necessária, e o sacrifício, triste e imenso.
Mas pergunto, alta e duramente: será essa retomada apenas uma bandeira erguida sobre cadáveres, ou valerá como reconquista de vidas?
Vão libertar a população do jugo que explora tudo — da água ao botijão de gás, da internet ao silêncio obrigatório?
Vão, enfim, entrar com infraestruturas que façam as prevenções primárias e secundárias deixarem de ser chá frio nas reuniões de gabinete?
Ou estamos apenas gerando mais inimigos, mais cidades paralelas, mais rotas de fuga que transformarão meninos em soldados de novo?
Há uma linha tênue entre justiça e espetáculo.
Ou serão os condes Drácula do palanque que olham a operação e sorriem? Imagem pronta para campanha.
A sociedade cansada aplaude e clama por solução imediata — e quem pode culpá-la?
Quando a criança de uma comunidade vê pela primeira vez uma escola funcionando, o discurso de ordem não é suficiente;
ela precisa de atenção, de creche, de emprego para a mãe, de biblioteca que não seja caixa preta.
Sem isso, a vitória será territorial, mas não social.
E ainda: as mulheres que resistem nas comunidades — professoras, mães, lideranças de associações — sabem que segurança é política cotidiana.
Elas organizam conselhos, brigam por iluminação, ensinam a ler e a costurar.
São políticas públicas em carne e osso.
Se o Estado sai de fininho após a fumaça baixar, se não garante escola, saúde e trabalho, então a guerra ganhará novos espaço onde antes poderia haver cuidado.
E o Direito Penal do Inimigo, tematizado nas delegacias e na retórica, encontrará sempre novos rostos para nomear como inimigos.
Por fim, não se pode condenar por princípio uma operação que enfrenta um aparato armado e letal.
Não se pode — e não se deve — ignorar o preço pago pelos que entraram primeiro.
Mas também não se pode aceitar que o triunfo se reduza a manchete e que, amanhã, as mesmas ruas voltem a ser escritório da economia paralela.
Se a operação for solução, provem: mostrem escolas abertas, conselhos funcionando, emprego juvenil, creches com alimentação decente e a vida cotidiana restabelecida.
Caso contrário, a história repetirá: o Estado enviará armas onde faltaram políticas — e a cidade continuará a criar inimigos.
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